A história das artes coleciona, por milênios, as mais representativas
peças de pintura e poesia, peças que vivem a encantar olhos, corações e mentes da
humanidade; elas se tornaram célebres e, ainda hoje, buscam perfeita
interpretação. Portanto, não seria exagero dizer-se que a relíquia dessas obras
permanece nas paredes do tempo para cumprir missão inacabada: relançar entre
gerações o repto da imortal Esfinge de Tebas: Decifra-me ou te devoro.
De toda a sorte, de
tudo que se tem visto nada mais excede em beleza que o corpo imensurável da
Criação divina, consumada em seis dias; cuja contemplação nos faz captar, no instante
de um momento, o estro do salmista Davi: “Os céus proclamam a glória de Deus, e
o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma
noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem palavra, e deles
não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir e as suas palavras até aos confins do
mundo” (Sl 39.1-4). Com que propósito
tudo isso se fez? Para que a criatura humana saiba interpretar o dom do Amor
Divino, e o goze para sempre – mais ainda após identificar no Jardim das
Oliveiras o corpo de Jesus Cristo, filho do Deus Altíssimo, ferido pelas
transgressões humanas.
Do ponto de vista poético,
o tempo é a tela da vida; em seu seio o ser humano é desafiado a expor a arte
de encontrar, esperar e realizar o que aspira de si e para si mesmo – como
expressões objetivas do que é belo, bom, e verdadeiro – para social e mais
amplo proveito. Nesse sentido, o profeta Moisés, em rasgo de salmo poético (Sm
90.13), buscou inspiração auspiciosa na eternidade do seu Deus, e, em nome do
seu povo, assim clamou: “Ensina-nos a contar os nossos dias para que alcancemos
coração sábio.” Ele cumpria a gigantesca tarefa de liderar a marcha de milhares
de israelitas ao longo de 40 anos: a contar de início a travessia do Mar
Vermelho, o sacrificante percurso pelo
deserto, e, por fim, a conquista da Terra Prometida. Milênios após, o poeta
Castro Alves – em luta contra a marcha pressurosa do seu próprio tempo, exclamou:
“Eu não quero lauréis, quero as rosas da infância”! Morreu aos 24 anos.
De modo comum, o verbo
contar, utilizado por Moisés, é mais aplicado em termos aritméticos, visando a soma
e multiplicação de dias; tal tendência talvez se explique por força da inexorável
noção de finitude, contra a qual, mesmo inconscientemente, o ser humano –
avesso a perdas -- adota recursos
velados de vãs recusa e fuga. O próprio Deus, Senhor da vida, sabe quanto sua
criatura preza o valor da longevidade, pois a concede, por soberana vontade, a
muitos dos que o temem e servem. Nesse sentido, Ele próprio se admirou de
Salomão lhe ter rogado, logo no início do seu reinado, tão somente
“entendimento para discernir o que é justo”; não a rara longevidade, ou
qualquer outro bem que lhe foi facultado como oferta franca e ilimitada: “Pede
o que queres que eu te dê” (2Rs 3.5). Conclusão: a decisão divina foi referenciada
na dimensão temporal; porém, centrou-se em escala qualitativa: “Eis que faço segundo as tuas
palavras: dou-te coração sábio e inteligente, de maneira que antes de ti não
houve teu igual, nem depois de ti o haverá” (v. 12).
As imagens apresentadas
no início do presente texto encontram melhor moldura em exemplares fatos
bíblicos, diante dos quais fica claro que podemos contar mais mostrando aparentemente menos. Um deles desvenda o
postulado da virtude: “Assentado diante do gazofilácio, observava Jesus como o
povo lançava ali o dinheiro. Ora, muitos ricos depositavam grandes quantias.
Vindo, porém, uma viúva pobre, depositou duas pequenas moedas correspondentes a
um quadrante. E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo
que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os
ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua
pobreza deu tudo quanto possuía, todo o seu sustento” (Mc 12:41-44). Eis um dia
de milagre, a ser contado por corações sábios: aos olhos dos “que não viram e
creram”, Jesus transformou duas pequenas moedas em tesouro engastado num´alma
aparentemente simples; milagre que não estava ao alcance das mãos de Midas.
No curioso circuito de ideias, voltemos à poesia para encontrar lindos e instigantes versos de Carlos
Drummond de Andrade, mui a propósito daqueles que tentam “alcançar coração
sábio” – por meio do fracionamento do seu tempo: “Quem teve a ideia de cortar o
tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze
meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o
milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade
de acreditar que daqui em diante tudo vai ser diferente”. Sim, para tanto é preciso crer que “há tempo
para tudo”; que a arte de viver implica saber lidar com os fios do dia-a-dia.
Assim, com estilo do amor, “o modo de fazer é ser”.
Ser ou ter? Eis a
questão, cuja resposta procede de coração
sábio – dádiva divina, pelo qual seremos capazes de contar: -- quer somando,
multiplicando ou dividindo disponível tempo com quem precisa de alguém que
queira escutar; com os próximos listados
por Jesus Cristo: famintos, sedentos, forasteiros, nus, enfermos, presos.
Autor, em 01.01.2022: Antonio Magno Figueira Netto